sexta-feira, 2 de abril de 2010

Easter 2010 by Sergio Guerra



Nem em Ésquilo nem em Dante, aqueles austeros mestres da ternura, nem em Shakespeare, o mais humano de todos os grandes artistas, nem em toda a mitologia ou lenda celtas existe alguma coisa que possa igualar-se e até mesmo aproximar-se do último ato da Paixão de Cristo. A ceia com seus companheiros, um dos quais já o havia traído por um punhado de moedas; a angústia no pequeno e silencioso jardim banhado pelo luar; o falso amigo que se aproxima dele para traí-lo com um beijo; o outro que ainda acreditava nele e sobre o qual, como sobre uma rocha, ele esperava construir uma casa de refúgio para o Homem, negando-o quando o pássaro cantava para o amanhecer; sua absoluta solidão, a submissão total, a aceitação de tudo; e, a par disso, cenas tais como a do sacerdote rasgando as suas vestes num ataque de cólera; o magistrado pedindo água na vã esperança de limpar a nódoa de sangue inocente que fez dele a figura escarlate da história; a cerimônia de coroação do sofrimento, uma das coisas mais belas já registradas na história escrita; a crucificação do Inocente diante dos olhos de sua mãe e do discípulo que ele amava; os soldados lançando os dados para saber com quem ficariam as suas roupas; a morte horrível, através da qual ele deu ao mundo seu mais eterno símbolo; o sepultamento no túmulo do homem rico, o corpo envolto em tiras de linho egípcio embebidas em ricas especiarias e perfumes, como se ele tivesse sido filho de um rei. Quando contemplamos tudo isso exclusivamente sob o aspecto da arte, não podemos deixar de sentir-nos gratos pelo fato de que a suprema função da Igreja devesse ser a encenação da tragédia, sem derramamento de sangue, a representação mística por meio de diálogos, trajes e até mesmo gestos da Paixão do seu Senhor. Sempre é para mim motivo de prazer e espanto lembrar que a sobrevivência do coro grego, que se perdeu como arte em outros locais, deve-se basicamente à manutenção do diálogo entre os fiéis e o sacerdote durante a celebração da Missa.

Oscar Wilde ( in "De Profundis")

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